Resolvi republicar este texto que escrevi para o Jornal de Brasília em 2009, por um só motivo:

NADA MUDOU!

VentríLOCOS

O jogo de interesses sobe mais uma vez aos palcos da tragédia da política internacional. Duas jornalistas, correspondentes americanas, foram julgadas (no sentido puramente medieval da palavra) pela suprema corte norte-coreana e condenadas a 12 anos de trabalhos forçados, sob circunstâncias e direitos não se sabe quais. A condenação foi talvez o principal acontecimento do dia para as agências de notícias.

Vejo sob diferentes pontos a situação, mas desde já peço perdão por surtos de insensibilidade que possam me possuir perante a análise dos fatos; pois creio que somos vítimas maiores, encobertas pela sujeira da oratória dos Estados.

Ontem, após ver a notícia às 7, 12, 20 e 23h, percebi que fui manipulado a acreditar que a ditadura coreana deveria ser o fantasma do meu dia. Mas, pela semelhança, me lembrei fatalmente de Guantánamo, e da promessa perdida entre os inúmeros arquivos do pentágono de fechá-la. Uma prisão americana cuja prerrogativa é segurança nacional, mas que só aprisiona suspeitos internacionais; uma prisão onde provas substanciais não têm substância; uma prisão onde as salas de julgamento são semelhantes às de Auschwitz; uma prisão de onde recebemos tanta informação quanto as passadas pela suprema corte norte-coreana.

É absurda a idéia de norte-coreanos, comunistas de um regime ditatorial terem mísseis nucleares e dezenas de centrífugas de plutônio. Mas nos esquecemos que suas ações têm uma prerrogativa, não que seja justificável, de segurança nacional. Esquecemos-nos também que tanta preocupação com segurança nacional, de ambos os lados, constrói à nossa frente uma armadilha grotesca e inconseqüente, um caminho que a cada passo se torna mais perigoso, de atos individualistas que conjuram conscientemente para um cenário de insegurança internacional.

Os fatos nos são jogados soltos pela imprensa internacional e somos incapazes de analisá-los, mas preferimos apenas nos sensibilizar. Ontem fomos lembrados das jornalistas condenadas sob um júri de uma cadeira só, hoje, talvez outra injustiça nos instigue a, …, continuar o dia lamuriando. Formulados para pensar e agir, apatia nos é mais cômoda; estamos fadigados.

Tenho um dejavú ao ver Estados Unidos e Coréia do Norte se debatendo em ameaças e entraves político-militares. Vejo o sonho “Obâmico” perder pigmentação, envelhecer alguns anos e começar a ensaiar discursos em nome de Deus. Um espetáculo que esperava não ter que re-assistir, mas que me parece estar sendo remontado com novos protagonistas. Estes, vindos talvez de uma retratação hipócrita por um programa de cotas, onde “obama’s” e “hillary’s” têm chance de mostrar seu real potencial; ou mesmo de um programa militar, onde “Pyongyang’s” se destacam pelo seu dom de improviso nas cenas mais dramáticas. Talvez esta história tenha um final feliz, talvez seja apenas mais uma releitura mesquinha de um espetáculo trágico do passado, mas, com certeza não nos é permitido esquecer que “o show tem que continuar!”

Filipe Gutfraind